
Análise Técnica do Caso do Universitário Baleado na Penha: Contradições nos Depoimentos e Excesso de Força Policial
Mariana Caminha, Mestra e Pós-Graduada em Direito Penal, Advogada Criminalista
2/26/20253 min read
INTRODUÇÃO
O Direito Penal tem como um de seus pilares a proteção dos direitos individuais, especialmente em situações que envolvem abuso de autoridade. Casos de abordagens policiais controversas, como o ocorrido na Penha, destacam a necessidade de rigor técnico na análise de depoimentos e provas, visando assegurar a justiça e evitar violações de direitos fundamentais.
Este estudo examina o caso do universitário Igor Melo de Carvalho, baleado durante uma abordagem policial, com foco nas contradições nos depoimentos dos envolvidos e no uso excessivo da força. A análise demonstra como essas falhas comprometeram a credibilidade da acusação e levaram à decisão judicial de soltura dos acusados, reforçando a importância de uma atuação policial pautada em evidências concretas e no respeito aos princípios legais.
DESCRIÇÃO DO CASO
No episódio em questão, ocorrido na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, Thiago Marques Gonçalves e Igor Melo de Carvalho foram presos em flagrante sob a acusação de roubo de celular. Durante a abordagem, Igor foi baleado pelo policial reformado Carlos Alberto de Jesus, que alegou, inicialmente, ter visto o universitário sacar uma arma. No entanto, em depoimento posterior, o policial negou ter visto qualquer arma, afirmando apenas que Igor fez um movimento em direção à cintura, o que poderia sugerir a presença de uma arma.
A esposa do policial, Josilene da Silva Souza, também apresentou versões conflitantes. Inicialmente, relatou ter visto o homem de camisa amarela sacar uma arma, mas posteriormente alterou seu depoimento, afirmando ter observado apenas um volume na cintura, que poderia ser uma arma.
Além disso, houve divergências significativas quanto ao horário do suposto roubo. Josilene afirmou inicialmente que o assalto ocorreu às 23h de domingo, mas depois mencionou ter enviado uma mensagem de celular às 1h14 de segunda-feira. Registros de câmeras de segurança indicaram que Igor deixou seu local de trabalho apenas às 1h30, o que contradiz a narrativa inicial.
Essas inconsistências levaram a juíza Rachel Assad da Cunha, da 29a Vara Criminal da Capital, a decretar a soltura dos acusados, entendendo que os indícios de autoria eram insuficientes para mantê-los presos.
ANÁLISE TÉCNICA
Do ponto de vista jurídico, o caso apresenta dois aspectos centrais que demandam atenção:
1. Contradições nos Depoimentos
- Versões Divergentes: O depoimento inicial do policial reformado sugeria uma ação violenta por parte de Igor, com a alegação de que ele sacou uma arma. No entanto, a segunda versão do depoimento negou essa afirmação, indicando apenas um movimento suspeito. Essa mudança na narrativa, somada às alterações no relato da esposa, compromete a credibilidade das acusações e demonstra falhas na apuração dos fatos.
- Divergências Cronológicas: As inconsistências nos horários relatados — com Josilene inicialmente afirmando que o assalto ocorreu às 23h e posteriormente mencionando uma mensagem enviada às 1h14, em desacordo com os registros de câmeras que mostram Igor saindo do trabalho às 1h30 — sugerem uma possível confusão de identidade e fragilizam a base probatória.
2. Erros na Conduta Policial
- Uso Desproporcional da Força: O policial efetuou disparos sem ter certeza da presença de uma arma, agindo com base em suposições e não em evidências concretas. Essa conduta viola o princípio da proporcionalidade e demonstra uma falha grave no cumprimento do dever de cautela, essencial em situações que envolvem o uso da força letal.
- Impacto Processual: As contradições nos depoimentos e a falta de provas consistentes foram determinantes para a decisão judicial de soltura dos acusados. A fragilidade probatória, decorrente das inconsistências narrativas e da conduta precipitada do policial, enfraqueceu a acusação e evidenciou a necessidade de maior rigor na apuração dos fatos.
CONCLUSÃO
O caso do universitário baleado na Penha ilustra de forma clara a importância do Direito Penal na proteção dos direitos fundamentais e na responsabilização de condutas abusivas. As contradições nos depoimentos e o uso desproporcional da força evidenciam falhas críticas na abordagem policial, reforçando a necessidade de procedimentos mais rigorosos e baseados em evidências concretas.
Este caso serve como um alerta para a importância de uma atuação jurídica competente e atenta, que priorize a análise minuciosa das provas e a observância dos princípios legais. A justiça só pode ser alcançada quando os direitos individuais são respeitados e as decisões são fundamentadas em fatos consistentes, evitando-se assim injustiças e violações de direitos.